Seleta do Acervo - parte 1

Seleta do Acervo - parte 1

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A FELICIDADE QUE TIVE NA VIDA (por Ildazio Júnior)

Fui bem nascido! Tive berço! Essas palavras poderiam até soar pedantes e arrogantes se não fossem para ilustrar o reconhecimento pelo norte, pela minha fonte e nascente chamada Ildazio Marques Tavares.

Ele nunca nos deu presentes materiais e quando os deu, sempre foram comédias, como o famoso caso das raquetes de tênis: onde ainda garotos doidos por jogar tênis e sem material legal no Brasil, ele de viagem marcada para Europa e devidamente feita sua encomenda, nos trouxe raquetes de tênis de mesa para nosso desespero e curtição de todos nossos colegas! A justificativa: Preferia carregar livros durante a viagem para nós do que, “porra de raquetes”! Ah, li as obras completas de Monteiro Lobato aos 10 anos! Machado de Assis, Gonçalves Dias, Jorge Amado, Os irmãos Grimm, fábulas de esopo e La Fontaine na adolescência, falei e pensei em inglês com 12, entre tantos outros, estes sim, grandes presentes!

Como esquecer a minha primeira suspensão no Antônio Vieira! Quinta série e um colega me disse no ônibus escolar que meu pai iria morrer de fome, pois era poeta! Nem discuti, parti para cima dele!Nesse mesmo dia o perguntei: “Pai, o que era ser intelectual?” Ele me disse, que era estudar, ler e acima de tudo ter o saber como a principal arma, o saber nos daria tudo! Mas e a grana? “Eu ia morrer de fome?” Ele riu e disse Tavares Jr., o saber lhe conduzirá a felicidade, mas você tem que ser competente!

Amante das artes e da cultura, um dos grandes artistas da maior geração que até hoje existiu na Bahia meu pai fez a minha infância e adolescência repletas de convívios para lá de maravilhosos! Jorge Amado, Carybé, Sante Scaldaferri, Carlos Bastos, Mário Cravo Filho e Neto, Antonio Carlos & Jocafi, Vinícius de Moraes, Raulzito e seus Panteras, Gil, Baden, Maria Creuza, Jair Rodrigues, Mãe Stella, Mãe Meninnha, Dom Thomaz Morton, João Ubaldo, Batatinha, Julio Medaglia, Belchior, Alcione, Paulinho da Viola, passaria uma dia citando!

Diversos cochilos nas poltronas dos teatros tentando entender quem eram Ibsen, Beckett, Camões, Pessoa, Goethe! Horas explicando uma poesia de Baudelaire e agente querendo se picar para jogar tênis e o maluco dizendo que agente não tinha jeito mesmo!

Desvendou-nos o candomblé, ao qual era profundo entendedor, colaborador e respeitador, nos dando sempre a certa visão sem folclore e sim como cultura!

Como disse meu irmão Gil em seu lindo texto, cruel em seus julgamentos (com ele mesmo inclusive!), enxergava a canastrice, o engodo, o ruim de longe e dizia sem nem pestanejar, doesse a quem doesse, “ISSO É UMA MERDA!” Não fechava com a mediocridade! Ele era valente, capoeirista de bimba, Lacrau!

Fui morar com ele de novo em 2000 e encontrei um Ildazio Tavares puto com uma Bahia que não crescia culturalmente, e segundo ele, tinha se desligado da “Bahia de merda”, se concentrava “na Bahia que restava!” Era muito mais reconhecido no Brasil e Mundo afora do por aqui! Mas ele já estava cagando a aquela altura pois sabia das suas referências e capacidades!

Como foram bons esses quase três anos! Quanto aprendizado! Quanta informação! Todo dia ia dormir ouvindo meu pai me contar histórias! A diáspora judia, a queda de Constantinopla, a mulher do General Potifar que de tanto desejar José e não ser correspondida o delatou como estrupador o fazendo ser preso, gerando a ira de Deus que jogou as pragas sobre o Egito, da deusa Circe que transformava os náufragos que chegavam a sua ilha em porcos por que todos se apaixonavam e faziam suas vontades, da música popular brasileira e seus festivais, enfim tudo para ele era motivo de uma aula!

Hoje com muita dor e sem sua direção artística, mas com sua energia sigo meu caminho carregando o nome dele! Agora é viver para honrar!
Que felicidade eu tive na minha vida!
JR.

Um comentário:

  1. Ildazio, eu fico pensando que teremos que nos superar mesmo... fazer a nossa parte e divulgar o legado do seu pai com todo o carinho. O mesmo que ele tinha pelos amigos queridos.

    Márcia

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